O Presidente angolano, igualmente Presidente do MPLA (no Poder desde 1975) e Titular do Poder Executivo, João Lourenço, autorizou uma despesa de mais de 12 milhões de dólares para montar um ginásio e mobilar escritórios na Assembleia Nacional. Como se vê, a crise já lá vai e, se for necessário, o Governo continuará a pedir fiado aos pobres dos países ricos para dar aos ricos de um país que só tem 20 milhões de pobres.
Num decreto presidencial, o chefe de Estado (não nominalmente eleito) autorizou a aquisição do material avaliado em mais de 70 milhões de kwanzas (cerca de 200 mil euros). O contrato será celebrado com a empresa Sistec, S.A..
À semelhança do “Bairro dos Ministérios”, com 28 edifícios ministeriais e várias unidades de apoio, o tema do ginásio está a gerar grande polémica em Angola e a intenção do governo está a ser muito criticada. Os autóctones (sobretudo aqueles que o MPLA considera serem angolanos de segunda categoria) ainda não perceberam que, como é o nosso caso, um regime esclavagista não tem que prestar contas aos escravos.
Em declarações à DW África, Nelito Ekuikui, da bancada da UNITA, diz que o país tem outras prioridades. “Não é oportuno alocar verbas para a construção ou apetrechamento de um ginásio ao nível da Assembleia Nacional. O país tem prioridades e as prioridades do país estão devidamente identificadas”, afirma o deputado mais jovem do Parlamento angolano.
Nelito Ekuikui teria razão se Angola fosse aquilo que (ainda) não é: um Estado de Direito Democrático. Não sendo, as prioridades são outras, essencialmente visam fazer com que os poucos que têm milhões (todos do MPLA) passem a ter mais milhões, e que os milhões que têm pouco ou nada… assim continuem. A favor das opções do regime conta a constatação, inequívoca, de que os angolanos estão quase, quase, a saber viver sem comer.
Nelito Ekuikui diz que não pretende frequentar o ginásio dos deputados e aconselha o Governo a recuar na sua decisão: “Faço exercício, vou caminhando, correndo pelas estradas que o país tem. O Executivo deve recuar no sentido de alocar essas verbas para um outro fim que é urgente e é imediato.”
Segundo o deputado, outro fim seria, por exemplo, a resolução do problema da seca no sul de Angola, nomeadamente no Cunene, no Kuando Kubango e no Namibe. Ou “a resolução da pobreza que é extrema em Angola”, lembra.
O problema da tese do deputado da UNITA está em que a seca afecta apenas aquela espécie de gente que o MPLA não considera angolanos de pleno direito, tal como a pobreza extrema e a fome que, afinal e segundo as palavras de João Lourenço, não existe em Angola,
“A questão do nosso sistema de saúde de uma forma geral. Há prioridades devidamente definidas e acho que não nos devíamos dar ao luxo de identificar pequenas coisas que não acrescentam valor absolutamente algum quer na vida dos deputados quer na vida dos angolanos de um modo geral”, critica Nelito Ekuikui.
Perante estas e outras críticas que a UNITA tem feito, será que os seus deputados admitem vir para a rua protestar, ponderam abandonar a Assembleia Nacional? Isso não, é claro. Todos dizem que se deve acabar com a fome… mas não recusam comer lagosta, mesmo que ali ao lado vejam angolanos a vasculhar os caixotes do lixo à procura de algo com que possam enganar o estômago.
Esclavagismo combate-se com…
A criação de pelo menos (pelo menos, note-se, anote-se e relembre-se) meio milhão de empregos até 2021, reduzir um quinto a taxa de desemprego e instituir o rendimento mínimo social para as famílias em pobreza extrema (temos apenas e graças à divina actuação do regime 20 milhões de pobres) foram propostas solenemente apresentadas e subscritas por João Lourenço.
Mas o MPLA está no poder há quase 44 anos e nos últimos 17 o país está em paz total, dirão os mais atentos e, por isso, cépticos. Mas o que é que isso interessa?
Estas medidas, entre várias dezenas, integraram (note-se, anote-se e relembre-se) o manifesto eleitoral do partido no poder desde 1975.
Os discursos de João Lourenço são (já foram mais, é verdade) marcados por uma insistente propaganda de combate à corrupção (onde Angola está no top mundial dos mais corruptos), que diz colocar em causa “a reputação” de Angola no plano internacional.
“Se tivermos a coragem, a determinação, de combatermos a impunidade, com certeza que conseguiremos combater a batalha da luta contra a corrupção”, apontou o presidente do MPLA.
Reduzir a taxa de incidência da pobreza de 36% (segundo as deficientes contas do regime) para 25% da população, do índice de concentração da riqueza de 42,7 para 38, e “criar e implementar o Rendimento Social Mínimo para famílias em situação extrema de pobreza” são – repete João Lourenço – objectivos.
Como é que isso se consegue? JLo não explica. Nem precisa de explicar. Aos escravos basta saber que “o MPLA é Angola e que Angola é o MPLA”. Pensa-se, no entanto, que o Presidente vai resolver todos esses problemas dotando a (sua) Assembleia Nacional com um ginásio topo de gama e construindo um megalómano Bairro dos Ministérios.
“Erradicar a fome em Angola”, aumentar em cinco anos a esperança de vida à nascença, elevando-a para 65 anos, reduzir a taxa de mortalidade infantil (uma das maiores do mundo segundo organizações internacionais que não leram o manifesto do regime) de 44 para 35 por cada mil nados-vivos e de crianças menores de cinco anos de 68 para 50 por cada mil nados vivos, são outras metas do MPLA de João Lourenço.
Como vai fazer isso? Isso não interessa saber. Aliás, as promessas não carecem de justificação nem de explicações sobre a forma de serem cumpridas. Pensa-se, no entanto, que o Presidente vai resolver todos esses problemas dotando a (sua) Assembleia Nacional com um ginásio topo de gama e construindo um megalómano Bairro dos Ministérios.
No plano económico, e com o país a tentar recuperar da crise financeira, económica e cambial de 2015 e 2016 (que só atingiu os angolanos de segunda categoria), João Lourenço avisou que as empresas públicas deficitárias serão entregues à gestão privada, para que deixem de “sugar os recursos do erário público”.
Não fosse apenas mais um capítulo do anedotário do regime e, certamente, os angolanos até ficariam sensibilizados com essa de “sugar os recursos do erário público”. Por outras palavras, promete acabar com aquilo que, ao longo de 44 anos, foi a única estratégia do seu MPLA: “sugar os recursos do erário público”.
Entre os fundamentos macroeconómicos, JLo promete “melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”, assume o compromisso de atingir uma média de crescimento anual “não inferior a 3,1%” do Produto Interno Bruto (PIB), reduzir a taxa de inflação a um dígito ou duplicar a receita tributária não-petrolífera.
Tudo isto já não são bem promessas do MPLA de João Lourenço. São, antes, um atentado à inteligência dos angolanos e a passagem de um atestado de matumbez também às organizações internacionais que dão cobertura ao regime, mostrando que preferem trabalhar com um governo corrupto e ditatorial do que com um sério e democrático.
Sobre a criação de 500 mil novos empregos até 2021, João Lourenço diz que será concretizada pela capacitação do empresariado privado, mas sem apresentar uma medida concreta. Ele bem perguntou aos seus assessores políticos, nomeadamente portugueses e brasileiros, como é que isso se alcançaria. Mas eles apenas responderam: “Não se preocupe, os escravos são matumbos”.
Aumentar em 150% a capacidade de produção de electricidade, de 3.334 MegaWatts (MW) para 7.500 MW, e ligar um milhão de novos clientes à rede pública, são outras propostas do partido, bem como levar água potável a mais de 80% da população e um sistema de saneamento “considerado apropriado” a pelo menos 70% dos angolanos. É mais um capítulo do anedotário.
O manifesto de promessas demagógicas e populistas (note-se, anote-se e relembre-se) assume o compromisso de construir 1.100 quilómetros de novas estradas e a reabilitar mais de 7.000 quilómetros de outras vias, por todo o país.
Hoje, no plano da transformação da economia, ainda assente nas exportações de petróleo, é definido pelo MPLA o objectivo de, em cinco anos, elevar a produção anual de cereais em Angola de dois milhões para cinco milhões de toneladas ou a de leguminosas para um milhão de toneladas anuais, “criando excedentes para a reserva alimentar nacional”, e reduzindo em 15% as importações de leite.
Afinal o oásis está mesmo aí e o cartão de visitas mostra-nos que para lá chegar urge dotar a Assembleia Nacional (do MPLA) com um ginásio topo de gama e construir um megalómano Bairro dos Ministérios.
No sector da indústria extractiva, além da produção diamantífera, com a perspectiva de 13,8 milhões de quilates por ano, a presente legislatura, segundo o MPLA, ficará marcada pela estreia na extracção de ferro (1,7 milhões de toneladas/ano), de ouro (25,6 mil onças/ano) ou de fosfato (1,3 milhões de toneladas/ano).
Nos petróleos, o compromisso é de apostar no gás natural e na exploração do pré-sal, além de construir pelo menos uma nova refinaria, face às necessidades de produtos derivados, bem como reduzir em 15% a mão-de-obra especializada estrangeira e inserir 30% de novas empresas nacionais na indústria do crude angolano.
São ainda prometidas medidas que permitam, além da diversificação económica, colocar Angola pelo menos 12 lugares acima da actual classificação internacional no ambiente de negócios, para chegar ao 168.º lugar nesta lista do Banco Mundial.
Elevar a 95% a taxa de cobertura do ensino primário a crianças em idade escolar, a 60% no ensino secundário e de 200.000 para 300.000 o número de estudantes no ensino superior no país, são outra metas que o MPLA promete.
Até lá (note-se, anote-se e relembre-se) os angolanos continuarão a ser gerados com fome, a nascer com fome e a morrer pouco depois… com fome. E tudo isto acontece porque o Povo é teimoso e não segue com rigor as recomendações do MPLA de João Lourenço. Se o fizesse já teria aprendido, por exemplo, a viver sem comer.
Folha 8 com DW